Entrevista com Rita de Cássia Biason

OSP: A questão da corrupção tem ocupado a mídia nacional nos dois últimos meses, são vários casos de uso indevido de recursos públicos e de favorecimentos pessoais. O  que podemos aprender com isso?

Resposta: Pode parecer contraditório, mas quanto mais escândalos na mídia tanto melhor. A divulgação de casos de corrupção significa que a mídia e outros setores estão mais atentos ao que se passa no governo  quer na esfera federal, estadual ou municipal. È fundamental termos informação de que forma é gasto o dinheiro público e este é o meio mais eficaz. De outro lado a divulgação destes escândalos  ajuda  a formar uma opinião pública contrária a tais práticas. Gradualmente se introduz uma nova cultura. O que podemos aprender é que temos falhas no nosso sistema político em termos de controle, e não são poucos, há um longo caminho a ser trilhado. Há um pesquisador, Treismann, que afirma que em novas democracias, as práticas de corrupção somente serão superadas após 40 anos de Estado Democrático. Mas não desanimemos!!!

OSP: Por que a corrupção é um problema que pode afetar sensivelmente a qualidade de uma democracia?

Resposta: Porque a corrupção viola o princípio da transparência e, principalmente, da Boa Governança. A corrupção não vai destruir a Democracia, principalmente no caso do Brasil onde as instituições estão consolidadas, mas o princípio da eqüidade é negligenciado. Um exemplo é a questão do financiamento de campanha. O caixa 2 é um sério problema porque suprime a possibilidade de uma disputa justa entre todos os candidatos. Aqueles políticos que representam um determinando segmento econômico obterão mais recursos do que os demais. De outro lado, compromete a representatividade, afinal o candidato a um cargo político representa quem: os interesses do povo ou de segmentos econômicos?

OSP: O que é afinal a corrupção, como os instrumentos internacionais a definem?

Resposta: Há várias definições para corrupção, depende do enfoque que se está dando: econômico, político ou jurídico. A definição mais usual, por parte dos instrumentos internacionais, é feita a partir dos atos de corrupção. Por exemplo, a convenção da OEA, da ONU e OCDE utilizam as seguintes definições:

1. Solicitação ou a aceitação, direta ou indiretamente, por um funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas, promessas ou vantagens para si mesmo ou para outra pessoa ou entidade em troca da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de suas funções públicas;

2. Realização, por parte de um funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas, de qualquer ato ou omissão no exercício de suas funções, a fim de obter ilicitamente benefícios para si mesmo ou para terceiros.

Resumidamente, se entende por corrupção a utilização dos “meios públicos para fins privados”.

OSP: Para muitos, a corrupção é parte integrante de nosso sistema político e nesse sentido não é possível acabar com ela, apenas criar mecanismos de controle e fiscalização. O que a Sra. pensa disso?

Resposta: A corrupção está presente em qualquer país, desde a Suécia até a Nigéria, nenhum país está livre dessas práticas. O que muda é como cada país lida com o controle da corrupção e quais são os mecanismos para combater as práticas ilícitas. Os mecanismos de controle e fiscalização ajudam muito na ampliação da transparência.  Um exemplo de como estamos lidando bem com a corrupção são as denúncias que chegam na mídia. Outros instrumentos como agências reguladoras, os códigos de ética, as watchdog e  as Ong’s também  desempenham um papel relevante no controle e fiscalização. Devemos ter em mente que corrupção não acaba, apenas fica sob controle!!

OSP: Quais são as formas mais adequadas para fiscalizar a corrupção no contexto brasileiro?

Resposta: Vou fazer um recorte político para responder esta pergunta. No caso do financiamento de campanhas eleitorais, especificamente o Caixa 2, há uma discussão sobre o financiamento público de campanha (parcial ou integral) que poderá reduzir os esquemas eleitorais. Quanto aos recursos públicos, a prestação de contas, por meio Internet (Websites), tem revelado bons resultados. É possível acompanhar onde foi gasto o nosso dinheiro, em qual obra e qual o resultado desse gasto. A sociedade civil também tem participado da fiscalização e há um caso interessante que partiu do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral), conhecido como Lei 9840. Foi uma iniciativa popular organizada pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz em 1996 e teve início a partir de uma pesquisa realizada nas paróquias brasileiras sobre a obtenção de favores em troca de votos. Isso gerou uma discussão sobre a compra de votos e utilização da máquina administrativa no Brasil no período eleitoral. A amplitude desse debate resultou na Lei 9840 que passou a definir punições pela compra de votos dos eleitores e o uso da máquina. Por ser uma iniciativa popular, e não um movimento dos parlamentares brasileiros, era necessário recolher um milhão de assinaturas e isto foi possível através da participação dos sindicatos e das paróquias. Cabe ressaltar que todo este movimento não contou com nenhum recurso financeiro de instituição governamental ou não governamental. Na medida que eram necessários recursos havia a contribuição de algumas dioceses na elaboração de cartazes ou vídeos explicando o objetivo do movimento. A mídia (impressa e escrita) também colaborou através da divulgação nos meios de comunicação do slogan “Voto não tem preço, tem conseqüência”. Essa foi a primeira lei no Brasil resultado da iniciativa popular e a repercussão dessa, quase dez anos depois, foi a cassação de 388 políticos que utilizaram-se durante as últimas eleições da compra votos e do uso da máquina administrativa em benefício próprio. Com boa vontade é possível fiscalizar e mobilizar a sociedade para alterar nossa realidade.

OSP: E no contexto internacional?

Resposta: No contexto internacional são as convenções que servem de orientação para combater a corrupção. Mesmo que os países não implantem integralmente as medidas definidas, há parâmetros para que o governo, a  sociedade civil e as agências independentes de controle possam ter um referencial do que fazer para controlar a corrupção em seus respectivos países.

OSP: O que é a Convenção Interamericana contra a Corrupção- CICC?

Resposta: A CICC é composta de 28 artigos e  foi inicialmente desenvolvida e negociada por 22 países americanos, entrando em vigor em 3 de junho de 1997 e, até 2009, já foi assinada e ratificada por 34 dos 35  Estados que compõem a OEA. A ratificação entre os países  das Américas representou um avanço significativo no combate à corrupção na medida em que se converteu em um marco instrumental  para que os Estados desenvolvam melhores e mais eficientes políticas públicas, e promovam a cooperação internacional com o objetivo de obter resultados concretos na cruzada anti-corrupção.

A  convenção da OEA propõe aos Estados-Partes adotarem uma série de medidas em seus ordenamentos jurídicos e de políticas públicas destinadas a promover o desenvolvimento dos mecanismos necessários para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção, bem como a promover, facilitar e regular a cooperação entre os Estados Partes nessas matérias.

A convenção está estruturada em duas partes: uma dedicada à prevenção da corrupção e outra à repressão de determinadas práticas corruptas. A convenção interamericana contra a corrupção não apenas identifica os atos de corrupção para os quais serão aplicadas as disposições do texto, criando obrigações, mas também prevê o desenvolvimento institucional de princípios na luta contra a corrupção, este é um diferencial importante se comparada às outras convenções.

OSP: O que é o Mecanismo de acompanhamento de implementação da Convenção? O que o relatório de acompanhamento mostra?

Resposta: O mecanismo, ou MESICIC, é um instrumento que acompanha as ações dos Estados-Partes para determinar se os países signatários estão cumprindo os objetivos da Convenção e detecta se existem possibilidades de melhoramento ou fortalecimento das ações, mas não tem o objetivo de aplicar sanções. Os Estados-Partes que aderiram voluntariamente a esse sistema de monitoramento, através do documento de Buenos Aires, são avaliados, após o preenchimento e devolução do questionário, por um comitê de peritos. O MESICIC é um órgão técnico que se reúne, uma ou duas vezes ao ano, em Washington para analisar a implementação da convenção da OEA pelos Estados. A avaliação é feita numa primeira etapa através dos questionários que abordam informações detalhadas sobre o combate a corrupção nos respectivos países. Posteriormente dá-se o acompanhamento sobre as a implementação das medidas através dos informes que os países a sociedade civil enviam ao comitê. Tal procedimento permite a avaliação dos países sobre as matérias contidas nas Rodadas (cada rodada dura em média 2 anos). O objetivo final de todo este procedimento é a elaboração da metodologia de implantação das medidas sugeridas ao final de cada Rodada. Durante a avaliação, o Comitê de Peritos estabelece critérios comuns a todos os países signatários para a análise da implementação da convenção. Isto é, a informação que se obtém por meio dos questionários respondidos pelos Estados, deve ser analisada segundo critérios uniformes para todos países. Um diferencial da Convenção da OEA é a participação de representantes da Sociedade Civil. Nem as convenções da ONU ou do Conselho da Europa contemplam este segmento.

OSP: O governo brasileiro se mostra capaz de enfrentar a corrupção?

Resposta: Sim, o Brasil tem boa disposição no combate à corrupção. A questão é que não passa pela boa vontade o controle dessa prática. O emaranhado político é muito complexo e nem sempre os resultados desejados são alcançados. A negociação política, a troca de favores, o nepotismo o clientelismo, o patrimonialismo convergem para privilegiar os interesses privados em detrimento ao interesse público. Pode parecer legalista o que vou dizer, mas temos que punir os grandes corruptos, assim você vai eliminando a “sensação” de impunidade que ecoa na sociedade. No Brasil há uma dificuldade enorme de se punir o corrupto. A nossa legislação prega que cabe ao acusador, promotores, mostrar as provas de corrupção e não ao acusado se defender das acusações independente das provas. È o princípio da “inocência presumida”. Isto tem gerado um grande problema para punir os corruptos, veja os casos do Maluf, do  Collor e tantos outros.

OSP: Quais entidades da sociedade civil estão engajadas na luta contra a corrupção?Resposta: Há várias organizações, a mais importante e influente mundialmente é a Transparency International, que tem feito um trabalho excelente na divulgação dos mecanismos de combate à corrupção, conhecido como “Tool Kit”. Há uma certa controvérsia acerca da atuação desta ONG, mas a influência dela é positiva, na minha opinião. No Brasil temos a Transparência Brasil, a Amarribo (Associação dos Amigos de Ribeirão Bonito), o Movimento Voto Consciente, o IFC (Instituto de Fiscalização e Controle), MPD (Ministério Público Democrático) e MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral) são bons exemplos de organizações que atuam direta, ou indiretamente, no combate à corrupção.

OSP: Em que medida, na sua opinião, a corrupção pode interferir na questão da segurança pública?

Resposta: Se tomarmos a definição que “Segurança pública refere-se à política do Estado para dar segurança, ou seja, proteger o cidadão da Nação”, então o policial corrupto viola o princípio da igualdade pois prioriza os ganhos privados, ou seja receber a propina, e deixa de cumprir a função de dar segurança ao cidadão. Para mim, pior do que a corrupção policial é a cultura da impunidade que se consolida. Gradualmente firmamos uma prática que com propina conseguimos resolver todas as transgressões. Isto pode culminar em uma “transgressão coletivizada”, ou seja,  situações repetidas por vários outros indivíduos.

OSP: Há como estimar o custo da corrupção num país como o Brasil?

Resposta: Há um cálculo feito pelo prof Marcos Fernandes Gonçalves, da FGV, estimando que o Brasil perde   entre 5% a 10 % do PIB  com atividades corruptas e com os corruptores. Segundo a Controladoria-Geral da União (CGU), responsável por fiscalizar todos os que recebem dinheiro federal: ministérios (exceto o da Defesa, o Itamaraty e o gabinete da Presidência), Estados, municípios e entidades civis, somente  com irregularidades os cofres públicos deveriam receber de volta R$ 3,3 bilhões entre 2001 e 2008 (até final de junho).

Esse cálculo é resultado dos cerca de 12 mil processos que foram abertos no órgão neste período para investigar irregularidades nos gastos do dinheiro público. No geral estamos delineando um bom caminho, mas a caminhada é longa e não teremos resultados a curto prazo. Por isso devemos começar a fazer as reformas de maneira adequada e, a longo prazo, poderemos reverter esse quadro.

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