Resumo da monografia: “Organizações internacionais e sua ação contra o crime organizado transnacional: um estudo de caso sobre a ascensão e presença do Primeiro Comando da Capital (PCC) na América do Sul”


Vinícius Pereira de Figueiredo[1]

É após o massacre do Carandiru e a discussão sobre direitos humanos dos presos que o Primeiro Comando da Capital (PCC) surgiu, em 1993, na Casa de Custódia de Taubaté, vulgo Piranhão. Durante o campeonato de futebol na casa de custódia que o grupo se oficializou, após um violento acerto de contas com presos de outra galeria do presídio, com execuções, os primeiros irmãos, os fundadores se reuniram e oficializaram o PCC. Fundado oficialmente em 1993, inspirado pelo lema da falange vermelha de “paz, justiça e liberdade” e consequente da grande violência nos presídios dos anos 90, o PCC se torna um forte nome de resistência contra a violência carcerária, o grupo aos poucos se organiza e se expande para defender seus membros. Naquela época o discurso de proteção e de mudança atraiu muitos irmãos[2].

Ascensão e expansão

Com uma organização consolidada e irmãos batizados por todo o estado, em 2001 o PCC irá organizar uma das maiores rebeliões da história do estado de São Paulo, na ocasião  29 presídios de 19 cidades  diferentes realizaram simultaneamente a tomada dos presídios, os presos pediam direitos básicos aos detentos, mas também protestavam contra a transferência de líderes do PCC. A megarrebelião trouxe os olhos da mídia, ganhando proporções internacionais, com notícias na Europa e Estados Unidos. Outro evento de expressão, que demonstra  a força nacional que o PCC possui, ocorreu em 2006 onde 74 unidades prisionais se rebelaram simultaneamente em 6 estados diferentes. Além das rebeliões, agora o PCC se manifestava também externamente, com ataques a policiais, militares e juízes. Os ataques servem como uma forma de avaliarmos como o grupo se desenvolveu com o tempo, se espalhando cada vez mais pelo Brasil e dominando as cadeias por onde passava.
O PCC, que inicialmente se sustentava através de financiamento próprio – recolhendo uma espécie de mensalidade dos irmãos, assaltos a banco, jogos do bicho e roubos de carga, cresceu, alcançou domínio, e foi gradualmente se especializando no tráfico de entorpecentes (JOZINO, 2017). Com o tempo, os assaltos a banco e roubos de carga caíram em desuso, embora tenham voltado a ocorrer em tempos recentes, o tráfico de entorpecentes se tornou o carro-chefe das facções. Visando expandir seus negócios então, o PCC buscou financiadores maiores, assumindo um caráter atacadista no mercado de drogas, voltando-se então às fronteiras. Em 2010 mais precisamente o grupo deu seus primeiros passos concretos, com o “salve do fortalecimento[3]” transmitindo para todos os irmãos que agora eles estão na fronteira com o objetivo de “conscientizar todos para a conquista da paz, justiça e liberdade”, uma abordagem quase que diplomática, apenas se infiltrando e batizando irmãos em território estrangeiro, até então a presença na fronteira só existia por intermediários, embora já fosse uma fonte do mercado ilícito. A escolha da fronteira com o Paraguai, mais especificamente Ponta Porã/Pedro Juan Caballero vem do forte comércio de drogas, mercadorias e armas já estabelecido na região, e os contatos, ou o caminho para esse acesso se deu principalmente por Fernandinho Beira-Mar, histórico líder do Comando Vermelho. Com o salve do fortalecimento, o PCC se movimentou para eliminar intermediários e colocar “os seus” no comando do tráfico na região, como com a tentativa de Ilson Rodrigues, o Teia. frustrada pela ROTA culminando no assassinato de três e a prisão de cinco irmãos.  A operação  avançou com o batismo de Antônio Carlos Caballero, vulgo Capilo, que entre 2008 e 2011 foi um dos principais fornecedores de maconha, cocaína e armas para o PCC (DIAS E MANSO, 2018). A fronteira, controlada por Jorge Raffat Touman- um notório contrabandista da região, com ligações políticas nos dois países–não era fácil de ser tomada. Visando uma incursão, o PCC enviou então alguns irmãos para a região, dando início a conflitos e uma onda de violência na fronteira- uma preparação para a guerra. O estopim seria o tão cobiçado assassinato de Raffat, em uma emboscada, foi surpreendido por rajadas de munição antiaérea e teve sua caminhonete (blindada) destruída. Os tiros teriam sido disparados por Sergio Lima dos Santos, apontado como membro do CV – que na época ainda não tinha rompido seu vínculo com o PCC (DIAS e MANSO, 2018). O evento foi um marco no tráfico de drogas nacional e internacional, alterando a dinâmica na fronteira, culminando também no rompimento histórico entre PCC e CV e iniciando assim uma onda de violência nunca vista antes nas fronteiras do Brasil pelas rotas do tráfico de drogas.
Com a morte de Raffat o PCC não deixou dúvidas de que possui impacto internacional, e assim então poderia ser colocado como um caso de Crime Organizado Transnacional (COT). Destaco que a presença na fronteira implica em uma movimentação geopolítica que envolve toda a América do Sul, com a produção na Bolívia, que não possui saída marítima, tendo que escoar a mercadoria pelo Paraguai e Brasil, onde o PCC poderia “ajudar” com o transporte até os portos locais[4]. Para fins didáticos, sintetizo o que pode ser colocado como COT a partir da Cepik e Borba, 2011 e Gomes 2008, definindo as características de um caso de COT como: um número plural de pessoas, uma relação hierárquica entre elas, ao menos uma atividade ilícita e organização material voltada para o lucro e claro, relação direta – aval – do Estado[2]. Entende-se transnacional, como previsto na Convenção de Palermo (2000), ou seja, a capacidade de envolver outros estados nas atividades ilícitas.
É justamente a convenção de Palermo (2000) o primeiro documento formal elaborado no direito internacional, pela Nações Unidas, a instituição que a elabora se torna uma diretriz para as outras produções e discussões que vierem em seguida. Elaborada em 2000, e incorporada dentro do direito interno brasileiro em 2004, através do decreto 5.015 (DECRETO Nº 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004). Sua incorporação sofreu com a falta de tipificação de crime organizado e após um sucessão de projetos e leis, se chegou a  Lei 10.217 alterando a “Lei das Organizações Criminosas”, fazendo mudanças, principalmente no artigo 1°, trocando “Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versarem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando” de acordo com o Artigo 1º da Lei 9.034/1995 de 3 de maio de 1995 (Brasil,1995) para “Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo de acordo com o Artigo 1º da Lei 10.217 de 17 de abril de 2001” (Brasil, 2001).
Observa-se que o crime organizado transnacional é algo recente dentro do direito, sendo a preocupação com ele relativamente recente, e ainda no contexto brasileiro, extremamente defasado. A partir da Convenção, outros órgãos irão discutir sobre o tema e formas de ações, como foi o caso da OEA, que prescreve ações de prevenção ao crime organizado e em defesa do trabalho investigativo, buscando uma maior precisão ao combater os grupos organizados, essas ações são comumente colocadas como recomendações, pois a OEA não dispõe de tropas e busca preservar a soberania e a jurisdição de cada Estado. Pode-se dizer que a principal ação direta nesse combate, que envolva a cooperação regional dos Estados se deu com a extinta UNASUL, criada com a intenção de uma integração dos países sul-americanos e teve fim com as saídas Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai e do Peru em 2018, a mesma já se encontrava sem secretário-geral desde 2017. Em 2011, a organização criaria o CSSCJDOT[5], essa fomentaria a integração dos países membros, e também buscaria a cooperação na área de segurança, respeitando o contexto dos países da região, seus projetos foram travados com a extinção e a mesma foi substituída pelo Foro para Progresso da América do Sul (PROSUL), que até então não consegui avançar sobre o tema.
Em suma, nota-se que o problema do COT e especificamente do PCC, responde diretamente às falhas do sistema prisional brasileiro e a violência policial no cotidiano da periferia, pois sem esses não conseguiria ter se consolidado ao ponto de se internacionalizar. No que tange ações criminosas que envolvam outros Estados, cabe um caminho dentro da cooperação jurídica entre os países da região da América do Sul, no entanto, para que haja impacto de fato depende essencialmente das motivações políticas de seus líderes e as suas políticas externas.


Referencias

ADORNO, Sérgio; SALLA, Fernando. Criminalidade organizada nas prisões e os ataques do PCC. Estudos avançados, v. 21, n. 61, p. 7-29, 2007
CABRERA, Manoela Ferreira. O crime organizado na Visão da Convenção de Palermo. Intertem@ s ISSN 1677- 1281, v. 22, n. 22, 2011.
CEPIK, Marco; BORBA, Pedro. crime organizado, estado e segurança internacional. Contexto internacional, v. 33, n. 2, p. 375-405, 2011.
DA COSTA, MANUELA CASTILHO COIMBRA. O presídio da Ilha Grande e o surgimento da Falange Vermelha, 2004.
FIGUEIREDO, Vinicius Pereira de. Organizações internacionais e sua ação contra o crime organizado transnacional: um estudo de caso sobre a ascensão e presença do PCC na América do Sul. 2021. TCC (Graduação) – Curso de Relações Internacionais, Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.
GOMES, Rodrigo Carneiro. O crime organizado na visão da Convenção de Palermo. Revista CEJ, p. 88, 2008.
JOZINO, Josmar. Cobras E Lagartos: A Verdadeira História do PCC. Via Leitura, 2017.
MANSO, Bruno Paes; DIAS, Camila Nunes. A guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil. Editora Todavia SA, 2018.
MINGARDI, Guaracy. O Estado e o crime organizado. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 1998.
OEA. GT/DOT-II/doc. 12/09. Disponível em: <oas.org/csh/portuguese/COT.asp#segunda>.
OEA. GT/DOT-III/doc. 14/11. Disponível em:<oas.org/csh/portuguese/COT.asp#terceira>.
OEA. REGDOT/doc.4/05. Disponível em: <oas.org/csh/portuguese/COT.asp#primeira>.
RABELO, C. G. A cooperação jurídica internacional e o crime organizado Transnacional”. Prisma Jurídico, São Paulo, v. 6, p. 277-291, 2007.
UNASUL.UNASUR/CJEG/DECISIÓN/Nº14/2012. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/ptBR/politica-externa/integracao-regional/13221-documentos-da-uniao-de-nacoes-sul-americanas#decisoes>.

[1] Bacharel em Relações Internacionais pela Unesp Marília e Graduando em ciências sociais na mesma instituição. E-mail para contato: vinicius.figueiredo@unesp.br.
[2] Conselho Sul-Americano em Matéria de Segurança Cidadã, Justiça e Coordenação de Ações contra a Delinquência Organizada Transnacional.
[3] Destaca-se a rota de Pedro Juan Caballero (ou rota caipira) levando em conta seu maior fluxo de mercadorias em relação a tríplice fronteira sul, que por questões geográficas, diminui o transporte, podendo esse ser feito apenas por avião. Há também a rota Solimões, referente ao rio que passa o Norte do país, no entanto nos atentarmos somente a caipira neste trabalho.
[4] Essa relação pode se manifestar de diversas formas, pela corrupção, antagonismo, ou mesmo simbiose com o Estado da Organização.
[5] Os “salves” são uma forma de comunicação entre os níveis de hierarquia do grupo. Partindo sempre do topo para os outros desmembramentos
[6] “Irmão” é a forma como os membros do PCC são conhecidos, o apelido vem da relação fraterna promovida desde a fundação do grupo.

Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp) com a monografia “Organizações Internacionais e suas ações contra o Crime Organizado Transnacional: Um estudo de caso sobre a ascensão e presença do PCC.” Graduando em Ciências Sociais pela mesma instituição e pós-graduando em Políticas Públicas e Projetos Sociais pelo Centro Universitário Senac. Atualmente desenvolvendo iniciação científica como bolsista PIBIC, com o tema “A criminalidade como aspecto da segurança privada no estado de São Paulo: A abordagem da mídia sobre o Primeiro Comando da Capital (PCC).”