As dimensões e impactos na realidade brasileira
Eduardo Armando Medina Dyna [1]
Introdução
A organização criminal, Primeiro Comando da Capital [2] (PCC), completará no dia 31 de agosto de 2023, 30 anos de existência. Durante essas três décadas, o grupo conseguiu mudar a realidade do sistema penitenciário de São Paulo e, posteriormente, no Brasil, além de criar novas dinâmicas do mundo do crime e dos ilegalismos, sendo atualmente, a maior facção do Brasil, estando presente em todas as Unidades Federativas do país, além de base em países no continente Latino Americano, como Bolívia, Peru e Paraguai.
O grupo têm contatos e influência em nichos econômicos criminais, negociando com outras organizações, facções e máfias de diversos continentes. Os ilegalismos, em especial, o comércio de substâncias psicoativas, isto é, o tráfico de drogas, são as características conhecidas pela sociedade e que ligam a dimensão econômica da facção, porém, suas atuações nesse ramo são bem mais enigmáticas. A estrutura organizativa do comando é direcionado com sua realidade, produzindo um esquema gestional próprio e uma dimensão política diferente de outras organizações, tornando um instrumento de reivindicações, pressão e disputa para atingir seus objetivos.
Assim, o PCC é uma complexidade não compreendida pela opinião pública, devido a suas interações e atuações, forjando-se como um objeto místico, seja por críticas estigmatizantes ou um endeusamento atípico. Ela pode ser entendida em diferentes dimensões, aqui pautadas no sentido político, econômico, bélico, social e de segurança, tornando um fenômeno estranho e complexo, o que se difere nos discursos rasos que setores da mídia, conservadores e estigmatizantes fazem, reforçando o preconceito em uma imagem ideal de um sujeito bandido [3] (MISSE, 2010), em territórios precários que a irmandade tem presença, em destaque, as periferias/favelas das grandes cidades, denominadas pela linguagem popular de quebradas.
Por isso a importância da tentativa de desnaturalização deste objeto confuso, através da investigação de suas dimensões na realidade e as dinâmicas postas em suas atuações, em razão de um melhor entendimento do surgimento, desenvolvimento e consolidação nesses 30 anos de PCC. É por meio disso que o Observatório de Segurança Pública (OSP), trará uma sequência de atividades para desbravar as dimensões do PCC nesses 30 anos, dado que o partido fornece inúmeros enfoques na realidade e abre discussões interessantes para as ciências sociais, que comovem a atenção da sociedade brasileira.
Desse modo, este pequeno texto tem o objetivo de discutir as dimensões do PCC nessas três décadas, passando por momentos importantes e desnaturalizando alguns preceitos importantes, colocando a luz problemas que são estruturais e condicionantes a outras prerrogativas, como o sistema capitalista e sua particularidade periférica brasileira, a prática do Estado e de suas instituições, a precarização, desigualdade e opressão das classes populares e os interesses por trás da manutenção da ordem vigente, com a existência de contradições que fortaleceram o poder do agrupamento.
O surgimento do comando e seus primeiros movimentos
O PCC surgiu em uma penitenciária de alta segurança no interior de São Paulo, no dia 31 de agosto de 1993, em Taubaté. Seu mito de origem foi dado através de uma confusão em uma partida de futebol, entre presos ligados ao time “comando da capital” contra o time adversário, denominado pela equipe do “comando caipira” (JOZINO, 2017). Para evitarem serem punidos pela repressão da direção, que era famosa por casos de arbitrariedade, oito presos se uniram para reivindicar pautas de seus interesses, sobreviver as contradições do sistema penal, lutar contra a opressão de outros presos e criar uma rede de solidariedade entre seus semelhantes, surgindo o Primeiro Comando da Capital (JOZINO, 2017; DIAS, 2011).
Dentre esses oitos presos fundadores [4], atualmente, nenhum se encontra vivo, sendo que a grande maioria faleceu – assassinados ou por doenças – ainda na década de 1990 e começo dos anos 2000 (JOZINO, 2017). O PCC em seus primeiros momentos, que pode ser identificado de 1993 até 2002/2003, espalhou seu modus operandi [5] e disseminou sua ideologia através de um discurso peculiar, se colocando contra as opressões do sistema penitenciário e tornando o Estado como seu inimigo. Seu ideal denominado de Paz, Justiça e Liberdade (PJL), inspirado no CV, foram os valores materializados em sua luta política.
Seus objetivos, em âmbito discursivo, era uma melhoria para a população prisional através da luta política não convencional, e que depois foi repassado para outros interesses fora do cárcere, como melhores condições para seus familiares, amigos e locais de origem (JOZINO, 2017), o que pode ser caracterizado como uma espécie de luta por avanços sociais.
Desse jeito, o PCC foi ganhando muitos adeptos e crescendo conforme os anos. Cada ação do Estado que visava aumentar a política de encarceramento e punitividade, trouxe como resultado, um aumento no poder e discurso da facção, criando uma resistência do comando através do poder das instituições estatais. Neste cenário, houve em fevereiro de 2001, a primeira aparição pública e estratégia política consolidada, que foi a maior megarrebelião da história dos presídios brasileiros até então.
Em razão das transferências de prisioneiros, críticas ao sistema penal, pressão por mudanças e melhorias nessa estrutura, além de outros motivos, o PCC conseguiu se articular e promoveu uma megarrebelião em 29 unidades carcerárias em todo território de São Paulo ao mesmo tempo (DIAS, 2011; JOZINO, 2017). Essa estratégia foi repercutida pela imprensa, opinião pública e o governo, pois não havia uma certeza da existência da irmandade e inaugurou o agrupamento como um novo paradigma na segurança pública e nos ilegalismos.
Essa ação trouxe como consequência, uma aptidão na forma de conduzir as massas carcerárias para os objetivos da facção. Contudo, sua estrutura política foi abalada por problemas internos, causados pela instigação de opressões internas, conflitos de interesses, desentendimento entre membros e por medidas imorais [6] e contrárias à ética do mundo do crime [7] (FELTRAN, 2007). Uma ala ascendeu no PCC, combatendo os antigos generais que comandavam o partido desde seu surgimento, expulsando e decretando a morte dos ex-comandantes. Essa ala foi personalizada na figura de Marcola [8], suspeito de ser membro e “chefe” do PCC, um ladrão de banco considerado dentro do sistema carcerário e mundo do crime, que lutou contra a opressão [9] dos generais e disputou o poder internamente dentro da estrutura de organização do partido.
Os novos líderes do PCC transformaram toda estrutura política, inseriram novos valores e lemas, incorporando no PJL a igualdade e união, com a prerrogativa de evitar os erros dos antigos generais e deixar mais “democrático” a relação entre os integrantes, independente de seu cargo de poder, além da unidade em prol do comando. Essas mudanças foram fundamentais para a decorrência dos anos seguintes e a forma como entendemos atualmente o grupo. Novas estratégias foram sendo colocadas, novas condutas morais e normas foram criadas, e as dimensões e suas atuações foram se consolidando ao longo dos anos, tornando a organização mais complexa.
As dimensões da facção e suas consequências na realidade
As atuações na dimensão econômica feitas pelo partido foram modificadas, desde seu surgimento, mas principalmente, nos primeiros anos do século XXI. O assalto a banco, sequestros e roubos, foram acompanhados pelo principal fator econômico do grupo: o tráfico de drogas. Com as mudanças internas, o PCC adquiriu conhecimento, aptidão e prática nesse ramo, que diferente de outros ilegalismos, o comércio de substâncias psicoativas traz mais racionalidade, menos riscos e maior lucros, constituindo como negócios semelhantes a empresas privadas. Essa escolha ao tráfico, que vem desde a época dos generais, foi crescendo até os dias atuais, garantindo um poder imenso a ele, modificando a realidade e uma resposta do Estado para cessar esse ramo através da política [falida] de guerra às drogas.
Para punir e neutralizar as ações do comando, o Estado, através do governo estadual paulista, criou um regime disciplinar diferenciado (RDD), como ferramenta extraoficial para disciplinar os presos após a megarrebelião de 2001 e o crescente empoderamento político e econômico do tráfico de drogas. O RDD é um regime de exceção que coloca os detentos em prisões diferenciadas, com poucas horas de banho de sol, sem contato e socialização com outros presos, além de perda de direitos (DIAS, 2008). O RDD foi um mecanismo importante para conter o poder do PCC, sendo duramente criticado pela facção.
No ano de 2006, o Estado iniciou uma estratégia para transferir dezenas de integrantes presos do partido para outras unidades prisionais e para o RDD, sob justificativa de segurança e preocupação do perigo desses detentos. Em resposta, houve uma enorme articulação, dentro e fora das prisões, como forma de manifestar e rebelar contra o poder das instituições estatais, iniciando os famosos ataques de maio de 2006. Nas cadeias, houve uma repetição da ação de 2001, com uma nova megarrebelião, mas agora, com 76 unidades carcerárias no mesmo momento, 47 prisões a mais do que cinco anos antes desse evento, evidenciando um poder, ainda maior, de articulação e execução através da irmandade (ADORNO; SALLA, 2007).
Fora das prisões, o agrupamento também agiu, com ataques a prédios públicos, atentados e assassinatos contra agentes estatais específicos (forças policiais, principalmente profissionais da polícia militar, além de juízes, delegados e outras pessoas que eram visto como “inimigos” da facção). O assassinato desses policiais e outros, trouxeram uma onda de violência, mas agora como vingança por parte dos membros dessas instituições, com o assassinato de centenas de pessoas, muitas delas inocentes, localizados nas periferias das cidades e que se encontravam no estereótipo do sujeito bandido (ADORNO; SALLA, 2017; MISSE, 2010).
Como síntese, o ano de 2006 trouxe uma revolta, seguida de ação política violenta do PCC contra as instituições estatais e seus membros, que foi respondida com o assassinato de pessoas periféricas e do mundo do crime, muitas delas que foram vitimas, apenas por existir ao meio dessas disputas entre o PCC e as instituições policiais. Após algumas semanas, os conflitos encerraram e algumas mudanças ocorreram, seja no comando, no Estado e na sociedade.
A organização conseguiu captar algumas questões e mudar sua postura política após o caos de 2006. Talvez, nunca na história brasileira, uma força havia confrontado o poder do Estado e colocado a sociedade em reboque e toque de recolher, partes da tática política do grupo, gerando consequências múltiplas. Dentre esses efeitos, houve o maior conhecimento por parte do comando, além de seus objetivos e composição, uma mística em torno de suas práticas e principalmente, um novo mecanismo de gestão nos territórios e suas populações na qual obteve presença (BIONDI, 2014). Inicia-se um interessante fenômeno de ordem criminal e pacificação no Estado de São Paulo (DIAS, 2011).
Entre 2006 e 2012, houve um período que a literatura instiga de uma espécie de “cessar fogo” entre os confrontos do agrupamento com as forças policiais, além de alguns processos de normatização das condutas, a partir de salves e sua ideologia, criando um fenômeno ético normativo do PCC. Os salves são formas de comunicação, orientação e cumprimento de objetivos específicos, ou ainda, de dialogar com outros setores do mundo do crime e na sociedade, como se fosse um instrumento de porta voz com todos. Os salves podem (e devem, em alguns casos), ser obedecidos e acatados, havendo punições em determinadas causas caso for desobedecido (BIONDI, 2014).
A ética é ainda mais polissêmica, pois são um conjunto de elementos de natureza filosófica, moral, de regulação da vida social, além de conter valores cristãos, da realidade criminal e da sobrevivência das periferias, constituindo uma singularidade que é a ética do PCC (BIONDI, 2014). Diante disso, neste período de seis anos, a facção criou algumas determinações de ordem criminal, principalmente, a proibição de assassinatos nos territórios que ele tem sua ética, sem o aval do partido (DIAS, 2011). Assim, um conjunto de fatores indicam que os índices de homicídios caem em São Paulo, fruto também, dos instrumentos da irmandade, racionalizando e obtendo uma maior gestão.
Em 2012 houve uma nova ruptura com ondas de violência em São Paulo. Com mudanças na pasta de segurança pública do governo estadual, somados a modificações na cúpula da Polícia Militar (PM) e da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA), a postura das forças policiais foi colocada em uma política mais repressiva e intolerante contra qualquer sujeito que se insere na “criminalidade”, o que trouxe mais violência, confrontos e repressão por parte da PM e ROTA. Muitos suspeitos de integrar o comando foram mortos pelas forças policiais, além de assassinatos de sujeitos bandidos (MISSE, 2010), vitimando inocentes (BIONDI, 2018).
Como resposta, a facção promulgou um novo salve, conhecido como “1 PCC, 2 PM”, dando como resposta para que, cada um membro do partido morto, dois policiais assassinados. As mortes dos profissionais de segurança ocorriam, principalmente, no período de folga e perto de suas residências, muitas vezes visados de maneira aleatória, o que trouxe uma onda de violência que durou meses naquele ano.
Com a ação da política repressiva das forças policiais, e a reação do crime, trouxe uma série de vendetas entre esses poderes, repetindo o cenário de 2006 e prejudicando todo povo paulista, em destaque, as classes populares nas regiões paupérrimas. No final de 2012, o governo, sofrendo pressão de diversos lados, mudou as pastas de segurança pública, PM e ROTA, diminuindo as tensões com o crime e voltando à “normalidade” de São Paulo.
Durante o final da década de 2000 e início de 2010, o partido iniciou um processo de expansão de seu poder para outras regiões do Brasil, e da América do Sul, estimulado pela dimensão econômica dos ilegalismos, principalmente os interesses na produção, circulação e vendas de drogas, em especial, a maconha e a pasta base de coca, que produz a cocaína e crack, substâncias com alto grau de lucratividade. A produção dessas drogas se localiza nos países do Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia, todos com fronteira brasileira, o que levou a uma inserção do PCC em UF próximas a esses países. Além disso, a exportação dessas mercadorias criminais era feito via naval, assim sendo, o uso de portos era necessário, levando a influência do grupo em diversas UF litorâneas (MANSO; DIAS, 2008).
Com o impacto do PCC espalhado nessas regiões, e ainda para abastecer o mercado interno, houve o surgimento de inúmeras facções em todo Brasil, sejam elas locais e regionais, se inspirando na forma de organização e atuação dos comandos nacionais (PCC e CV). As zonas de fronteiras eram as regiões mais cobiçadas, em destaque a de Ponta Porã no Mato Grosso do Sul e Pedro Juan Caballero em Amambay, no Paraguai. Assim, o PCC e CV disputavam o controle desse precioso local com outras forças [10], devido à importância estratégica de distribuição interestatal, em que as substâncias produzidas pelos países andinos e Paraguai, poderiam ser distribuídas em um canal seguro, controlado pelos comandos (MANSO; DIAS, 2008).
Foi em 2016 que o PCC conseguiu uma vitória importante. A irmandade matou o “rei da fronteira” [11] e conseguiu impactar seu poder na região, mudando todo tabuleiro do jogo político criminal entre as facções. Com o domínio do partido na fronteira, o “tratado de não agressão” entre o PCC e o CV foi quebrado, tornando ambos inimigos (MANSO; DIAS, 2008). O PCC e CV, facções nacionais, haviam feito aliados e inimigos durante essa década, criando uma modalidade que será denominada de “geopolítica de facções”. Essa geopolítica se consolidou com o fim da amizade entre os maiores comandos, levando a uma guerra entre as alianças no período de 2017-2019.
Inúmeras chacinas foram feitas nas prisões neste momento, de maneira bárbara e cruel. Foi o período que mais houve massacres em cárcere, sob justificativa dos conflitos entre a geopolítica das facções. Detentos do PCC, CV e outros grupos foram mortos, desmembrados, decapitados e queimados. Nas periferias de UF em disputa, como nas regiões norte e nordeste, uma onda de violência se iniciou, prejudicando toda população em detrimento dos conflitos, materializado pela dimensão bélica dos agrupamentos (FERREIRA; FRAMENTO, 2019; DIAS; MANSO, 2018).
Após 2019, houve um apaziguamento das tensões entre os comandos, mas ainda disputando entre eles a hegemonia dos nichos econômicos e interesses políticos de territórios e mercadorias. As prisões, periferias e zonas de interesses (fronteiras, portos, rotas comerciais) são visadas e disputadas por inúmeros interesses, haja vista que as facções protagonizam uma responsabilidade importante na sociedade: ordem criminal em determinados espaços, gestão populacional e organização de mercadorias criminais.
Nos últimos anos, o poder dos grupos criminais não diminuiu, muito menos do PCC. A pressão, articulação e institucionalização de instrumentos políticos do partido, como os debates/ideias [12] (ou apelidado pelos discursos da mídia policialesca de “tribunais do crime”), criou dinâmicas com diferentes populações e territórios, criando uma ordem da organização para resolver problemas e administrar conflitos, seja nas prisões ou nas periferias, além de produzir um saber oriundo do metabolismo do mundo do crime e da visão das periferias, recaindo sobre a dimensão social. O gênero musical brasileiro, funk, é um exemplo dessa dimensão social, articulando saberes dessa junção, com os interesses da irmandade, tornando um contato entre usuários dessa música com o grupo.
Portanto, o Primeiro Comando da Capital produziu algumas dimensões inerentes aos seus 30 anos de existência. A dimensão política se expressa na sua luta contra as contradições no sistema carcerário e nas regiões pobres da sociedade, além da sua originalidade de organização e atuação. As megarrebelião de 2001 e 2006 são sintomas dessa articulação e estratégias políticas. A dimensão econômica é vasta, atuando no limbo do legal e ilegal, concentrando-se nas mercadorias criminais, principalmente a circulação de drogas e sua exportação, o que constitui em um negócio bilionário [13].
A dimensão bélica do comando se materializa na medida que há perigo e confrontos. Os ataques de maio de 2006 e 2012 contra as forças policiais, os confrontos entre presos faccionados nos presídios entre 2017 a 2019 e a guerra na fronteira entre Brasil e Paraguai para matar o rei da fronteira, e adquirir o domínio nessa zona, são algumas medidas que identificam o lado “guerreiro” do PCC.
Alguns instrumentos que a organização criou ao longo dessas três décadas, gerou impactos interessantes na realidade, com efeitos de legitimidade, aceitação e estranhamento do grupo com a população. O funk com apologia ao crime, um nicho dentro do universo deste gênero, conseguiu traçar elementos da realidade periférica com o mundo do crime, divulgando alguns ideais do partido, ressaltando a dimensão social do PCC.
Os debates e a ética, são dois mecanismos para regular a vida social, ou melhor, um tipo de biopolítica (FOUCAULT, 2008) que direciona a população aos moldes das diretrizes da irmandade. Quando há brigas entre moradores periféricos ou detentos, os debates e éticas são os meios para resolver algumas pendências, trazendo como consequência legitimidade e efeitos positivos ao comando. O fenômeno de pacificação, direcionado no salve de proibição de mortes sem o aval do comando, trouxe uma diminuição na taxa de homicídios, fruto desse conjunto de fatores diante da complexidade do PCC (DIAS, 2011) .
Todo esse contexto é oriundo das dimensões social e de segurança do agrupamento, sendo que há decorrências de legitimidade em aceitar esses mecanismos pela população que não está diante o PCC, como também, produzir uma ordem criminal, evitando alguns desvios que prejudicam os interesses do partido e da população, havendo uma percepção de segurança.
A raiz do problema, possíveis soluções e considerações finais
Portanto, as dimensões política, econômica, bélica, social e de segurança do PCC, produziram novos enfoques e realidades para determinados sujeitos, populações e territórios, criando um conjunto de efeitos sociais complexos nesses 30 anos. A organização não é externa à sociedade, ela está dentro dos problemas e contradições existentes no Brasil. O PCC foi apenas uma reação, que ultrapassou os limites de sua resistência e criou situações caóticas e inimagináveis, a partir da relação com os governos e as populações.
Tudo isso só poderia ter ocorrido graças a ação a priori do Estado e sua prática ambígua, sem este, a facção não conseguiria êxito e nem almejar expandir seu poder e saber criminal para todo Brasil. A repressão estatal e sua política de guerra as drogas e encarceramento, tornaram possível a criação do partido. A precarização dos serviços públicos para as classes populares, a opressão e seletividade da prática policial com sujeitos específicos e a sobrevivência e ausência de um poder de gestão em territórios peculiares, trouxeram um vácuo de poder que foi preenchido pelo poder do PCC.
O grupo se tornou um problema relevante, pois a existência é interessada por diferentes grupos. Os discursos dos programas policialescos e de deputados conservadores, que exploram a desgraça para lucrar e se faturar politicamente. A grande economia de segurança [privada], que vende suas mercadorias, estruturas de moradias e proteção para as classes mais abastadas. O comércio de drogas, com alta lucratividade e que emprega uma rede de indivíduos, afetando setores legais e ilegais(corrupção, empresas de fachada e o consumo). As medidas repressivas no sistema penal, atraindo atenção de políticas panópticas e do encarceramento em massa. Enfim, são um leque de interesses que contribui para a manutenção da ordem vigente a partir da construção mítica de um inimigo em comum.
Dessa maneira, as dimensões praticadas são em decorrências dos problemas macros. A particularidade do capitalismo dependente, o Estado dúbio, a opressão e parcialidade das instituições estatais, a dominação das classes dominantes, foram os produtos da fórmula que criaram o cenário atual descrito neste pequeno texto. As respostas para os problemas micros, isto é, o próprio PCC, não devem repetir os erros do passado, em razão que o partido necessita do poder do Estado para crescer e, por isso criou-se uma “bola de neve” em ações e reações.
Por fim, nesses 30 anos do desenvolvimento da organização, não há o que se comemorar, mas apenas, entender a situação em que a realidade brasileira se encontra, e compreender a complexidade do PCC e suas dimensões, buscando alternativas que propende em melhorias concretas ao povo brasileiro, eliminando as contradições nos ilegalismos e na esfera legal, em prol de todos.
Referências
ADORNO, Sérgio; SALLA, Fernando. Criminalidade organizada nas prisões e os ataques do PCC. Estudos avançados, v. 21, n. 61, p. 7-29, 2007.
BIONDI, Karina. Como descrever uma “onda”? Uma abordagem metodológica para a etnografia de um movimento. Anuário Antropológico, v. 43, n. 2, p. 285-308, 2018.
BIONDI, Karina. Etnografia no movimento: território, hierarquia e lei no PCC. 2014. Tese Doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2014.
DIAS, Camila Caldeira Nunes. Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. 2011. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
DIAS, Camila Caldeira Nunes. Práticas punitivas na prisão: Institucionalização do ilegal e legalização do arbitrário. 32º Encontro Anual da Anpocs. 2008.
FELTRAN, Gabriel de Santis. Trabalhadores e bandidos: categorias de nomeação, significados políticos. Revista temáticas, v. 30, p. 11-50, 2007.
FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica. Curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008.
JOZINO, Josmar. Cobras e lagartos: a vida íntima e perversa nas prisões brasileiras: quem manda e quem obedece no partido do crime. Editora Objetiva, 2017.
JOZINO, Josmar. (São Paulo). Jornalista. Movimentação financeira do PCC aumentou 160 vezes em 15 anos. 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/josmar-jozino/2020/10/30/movimentacao-financeira-do-pcc-aumentou-160-vezes-em-15-anos.htm. Acesso em: 24 jul. 2023.
MANSO, Bruno Paes; DIAS, Camila Nunes. A guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil. Editora Todavia SA, 2018.
MISSE, Michel. Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria” bandido”. Lua Nova, (79), 15-38. 2010.
[1] Mestrando do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista (UNESP) – campus de Marília. Pós graduado em Políticas Públicas e Projetos Sociais pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) de São Paulo. Graduado em Ciências Sociais pela UNESP Marília. Pesquisador do Observatório de Segurança Pública. E-mail para contato: eduardo.dyna@unesp.br
[2] Durante o texto, o PCC será denominado de outras expressões que se encontram na literatura sobre o tema e presente nas falas dos interlocutores que vivenciam as relações do PCC. Assim, “Organização”, “Facção”, “Partido”, “Irmandade”, “Comando”, “Grupo” e “Agrupamento” serão utilizados para se referir ao objeto desta análise.
[3] Em resumo, o sujeito bandido é uma construção artificial através dos discursos conservadores, policiais, da mídia e outros setores, que estereotipam e enquadram um sujeito com determinadas características a ser, inerente, a um bandido. Assim, homem, jovem, negro, periférico, com vestimentas típicas, que curte determinadas culturas subalternas, utiliza gírias em seu vocabulário, é visto, por grande parcela preconceituosa da sociedade, como um sujeito bandido, fruto do racismo e elitismo da história brasileira.
[4] Para esses presos fundadores, foi apelidado de generais, como forma de explicar sua posição de poder. Os generais estavam no topo da estrutura política do grupo, e eles conduziam o partido e as massas criminais.
[5] Essa forma de discursar e agir foi inspirada na facção Comando Vermelho (CV), utilizando-se de um saber prisional e de organização, que foi adaptado à realidade paulista e nas dinâmicas de São Paulo.
[6] Aqui se refere a acusação de estupro, infração imperdoavel dentro do mundo do crime.
[7] Mundo do crime é um conceito que engloba uma totalidade de sociabilidades, práticas, culturas, saberes, moralidade, ética, visões de mundo, críticas, dentre outros aspectos da relação da criminalidade e dos sujeitos que nela estão (FELTRAN, 2007).
[8] Marcos Willians Herbas Camacho, sob vulgo de Marcola, foi um ladrão de bancos e integrante da alta cúpula do PCC. Ele está preso desde o final dos anos de 1990, passando por inúmeras prisões estaduais, federais e RDD, sendo considerado pelos discursos da mídia e polícia como “líder principal” do PCC, algo fortemente contestado pela literatura sobre o tema.
[9] O principal motivo para o rompimento de Marcola e sua ala contra os generais, foi o assassinato de sua ex-mulher e advogada, a mando da esposa de um dos generais do PCC. Essa ação foi o estopim para a reviravolta interna e condenação generalizada com a antiga cúpula do comando (JOZINO, 2017).
[10] Famílias, indivíduos, grupos criminais, empresários do crime. Eram vastos os interesses por esse território, composto por sujeitos das mais variadas nacionalidades.
[11] Jorge Rafaat, um poderoso ator atuante na dobra da legalidade e ilegalidade, responsável pelo controle de mercadorias criminais na fronteira, contendo conexões com as forças policiais brasileira e paraguaia, além de ter um pequeno “exército” na região (MANSO; DIAS, 2008).
[12] Os debates ou ideias são outro mecanismo do PCC que visa uma discussão em conjunto de membros e envolvidos para resolução de problemas e conflitos, com consequências variadas, desde os anos 2000. Punições com a morte ou regulação social, são consequências dos debates.
[13] Para ter ideia, foi investigado pela inteligência policial, uma estimativa que o PCC movimentou mais de 1 bilhão de reais entre 2019 e 2020, valor digno de empresas multinacionais (JOZINO, 2020).
Mestrando do Programa de pós graduação em ciências sociais (stricto sensu) na Universidade Estadual Paulista (UNESP) - campus de Marília, na linha 1: Pensamento Social, Educação e Políticas Públicas (2021-2023). Foi bolsista FAPESP, produzido uma pesquisa sobre as disputas de poder entre o PCC e a PM na chacina de 2015 em Osasco (2020).