Carolina Valente Gomes Agostinho, Maria Eduarda de Moraes Torres e Victória Monteiro Amêndola

No Brasil, o segundo domingo do mês de maio foi escolhido – seguindo uma tradição norte-americana – como data comemorativa para o dia das mães. Historicamente celebrado no Brasil desde o início do século XX, a data foi oficializada em 1932 durante o governo provisório de Vargas. Cabe à nós, tendo se passado 91 anos desde sua oficialização, refletir sobre como esse dia é celebrado em sua teoria e em sua prática. 
Não é difícil perceber que a ideia vinculada ao dia das mães é perpassada por noções de uma família nuclear conhecida popularmente como “famílias de comercial de margarina”. Este tipo de ideal carrega consigo relações específicas de gênero, de sexualidade, de raça, assim como relações econômicas e sociais em geral. Para nomear algumas delas: trata-se de um casamento heterossexual, branco, de classe média/média-alta, composto por pessoas cisgêneras, onde as funções são sexualmente divididas, e por fim, composto por um casal que possui filhos. Se tal idealização fosse levada ao extremo, quantos dias das mães deixariam de ser comemorados? 
Com essa data comemorativa se aproximando, convidamos você, leitor ou leitora, a refletir criticamente sobre as diversas condições que circundam a realidade das maternidades ou das famílias. Basta olhar à nossa volta, para a nossa própria experiência, ou para a de pessoas próximas, que diferentes maternidades se apresentam. Os dados estatísticos oficiais também evidenciam essa pluralidade: segundo o IBGE, 11,5 milhões de mulheres no Brasil são mães solo, isto é, são inteiramente responsáveis pela criação de seus filhos e suas filhas. 
É necessário pontuar também que, de acordo com pesquisas recentes na área, a maioria das mães solo no país são mulheres negras. Além disso, esse tipo de organização familiar se relaciona grandemente com situações de violência doméstica enfrentada por mulheres. Sabendo disso, parece ser bastante contraditório olhar para a família do comercial e afirmar que essa representação corresponde ao que as mães vivenciam cotidianamente. 
A partir desse convite de reflexão sobre o dia das mães e de colocarmos em pauta a existência das diversas constituições de família, outro ponto a ser evidenciado,  problematizado e questionado é o quanto esta data vem carregando e escancarando a perpetuação das idéias construídas sobre instinto materno, amor incondicional, determinismos biológicos de ser mãe, entre outros mitos sociais. Colocando, então, as mulheres – cis – em um lugar de cuidado, carinho e afeto por instinto e, por isso, a única encarregada de exercer a maternidade. 
Pensando, então, sobre as observações colocadas acima, um ponto que pode ficar evidente questionar é sobre a própria existência do dia das mães. Será que poderíamos questionar nossa insistência em comemorar uma data que poderá gerar tanta angústia e tormento para algumas pessoas? O surgimento da data com a intenção de comemorar alegremente o amor materno pode trazer, na verdade, sofrimento. Dessa maneira, por que não comemorar o cuidado, o acolhimento, o afeto e a educação em suas formas mais plurais e diversas em consonância com a realidade brasileira.

* Texto publicado originalmente no Jornal O Clarim, na coluna do Coletivo de Mulheres Marília.

Carolina Valente Gomes Agostinho

Mestranda em Ciências Sociais na UNIFESP, com interesse e experiência em pesquisa, ensino e extensão direcionados à juventude e educação e em debates sobre as relações de gênero, étnico-raciais e classe. Graduada em Ciências Sociais (licenciatura e bacharelado) pela Unesp de Marília. Integra o OSP (Observatório de Segurança Pública), também da Unesp de Marília, como uma das integrantes do projeto de extensão "Gênero, feminismos e violência: dialogando com a comunidade escolar de Marília e região" do grupo FERES (feminismos: práticas e resistências). Também faz parte do LEePES (Laboratório de Ensino e Pesquisa Educação e Sociedade) da Unesp de Marília.

Victória Monteiro Amêndola